Do campo à indústria, da solidariedade à mesa: o Banco de Alimentos da OVG que transforma Goiás em referência internacional

Iniciativa reúne produtores, empresários e a indústria alimentícia em um modelo que combate a fome, reduz desperdícios, gera economia circular e já levou mais de 16 milhões de refeições a famílias vulneráveis, além de 8,3 milhões de quilos de alimentos in natura

Lucas Dellamare e Elisângela Vieira

Em Goiás, uma experiência que une inovação tecnológica, solidariedade e compromisso social vem transformando excedentes agrícolas em dignidade para milhares de famílias. O Banco de Alimentos, iniciativa do Governo do Estado por meio da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG) e do Goiás Social, já distribuiu mais de 8,3 milhões de quilos de frutas, verduras e legumes in natura, em mais de 149,5 mil atendimentos a entidades sociais e famílias em situação de vulnerabilidade.

Uma delas vive em uma casa, com chão em terra batida e paredes de paletes e lona, em uma área de invasão na região Noroeste de Goiânia. Joquênia Veloso Valença, de 33 anos, é catadora de materiais recicláveis e tem uma renda mensal que não ultrapassa 500 reais ao mês. Graças ao Banco de Alimentos, ela garante a alimentação dela e das filhas de 1, 6, 9 e 15 anos de idade. “Meu coração de mãe agora fica mais tranquilo. A fome não faz mais parte da nossa vida.”

Esses resultados refletem um cenário mais amplo: de acordo com o IBGE, mais de 2,3 milhões de famílias goianas vivem atualmente em segurança alimentar, com acesso regular a refeições adequadas e de qualidade, um avanço de 10,1% em relação ao ano de 2023. Goiás também alcançou a segunda maior queda do Brasil no número de domicílios com insegurança alimentar grave, passando de 102 mil para 65 mil lares, uma redução de 36,3%, bem acima da média nacional de 19,9%.

Além das doações, o Banco de Alimentos promove, em todo o Estado, ações de educação alimentar e nutricional, em parceria com entidades sociais que atendem crianças, grávidas, idosos e pessoas em tratamento de saúde.

Inovação e tecnologia no combate à fome

Administrado pela OVG desde julho de 2019, o Banco recebeu uma série de inovações e ganhou um novo prédio, com estrutura adequada e moderna para conservar e evitar a contaminação dos alimentos. Com o investimento do Governo de Goiás em pesquisa, tecnologia, aquisição de equipamentos de microprocessamento e desidratação que ampliam a vida útil dos alimentos; e a parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Fundação Cargill, referência global da indústria alimentícia, foi possível a criação de um projeto inovador: o Mix do Bem.

O alimento nutritivo e de preparo simples, reúne arroz, proteína de soja e vegetais desidratados em pacotes capazes de render até dez porções. O alimento chega a regiões antes de difícil acesso, como comunidades quilombolas e assentamentos rurais. E, desde a sua criação, em 2021, a OVG já distribuiu mais de 1,6 milhão de pacotes, atendendo 214,4 mil famílias e 1,5 mil entidades sociais, com investimento de R$ 7,2 milhões.

“O Mix do Bem prova que é possível unir solidariedade, ciência e tecnologia para garantir dignidade a quem mais precisa. É Goiás mostrando que a responsabilidade social pode caminhar lado a lado com inovação”, destaca a presidente de honra da OVG e coordenadora do Goiás Social, primeira-dama Gracinha Caiado.

Nutricionista e gerente do Banco de Alimentos, Marília Araújo, explica que o Mix do Bem é um alimento nutricionalmente completo, elaborado para oferecer todos os nutrientes essenciais à saúde. “É um alimento rico em fibras, vitaminas, minerais e proteínas, além de ser fonte de carboidratos. As intervenções tecnológicas que utilizamos mantêm a qualidade dos ingredientes e garantem que estejam o mais natural possível, dando prazer e saciedade a quem os consome. O Mix contempla toda a tabela nutricional, combatendo a insegurança alimentar e nutricional”, destaca.

A engrenagem da indústria e do campo

O trabalho só é possível graças a uma rede que conecta indústria, produtores rurais e empresários locais. Pequenos agricultores, permissionários das Centrais de Abastecimento de Goiás (Ceasa-GO) e empresas contribuem diariamente, evitando desperdício e fortalecendo um ciclo de economia circular.

“Tenho orgulho de ser um dos primeiros parceiros do Banco de Alimentos. O que é feito aqui é muito nobre. Doamos o que está fora do padrão de comercialização, mas que ainda está ótimo para o consumo. Isso é economia para mim e dignidade para as famílias. Ou seja, uma ação social e ambientalmente correta onde todos ganham”, relata o empresário Orlando Kumqgai, um dos parceiros doadores de frutas ao Banco de Alimentos.

Além da destinação de alimentos para consumo humano, nada se perde: produtos sem condições de aproveitamento são utilizados para a produção de ração animal, fechando o ciclo sustentável e alinhando o programa às metas globais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS/ONU).

Essa prática reforça o compromisso da OVG com a prática ESG (Environmental, Social, and Governance), em que responsabilidade social, ambiental e corporativa andam de mãos dadas. “Nosso trabalho é garantir que cada doação gere impacto positivo para as pessoas, para o meio ambiente e para o futuro. Quando aproveitamos integralmente os alimentos, estamos mostrando na prática que solidariedade e sustentabilidade caminham juntas”, garante a diretora-geral da OVG, Adryanna Caiado.

Marco Aurélio Souza de Bessa, representante da Associação Casa de Davi, que fica em Abadia de Goiás e abriga homens e mulheres em processo de reabilitação das drogas, conta que o Banco de Alimentos da OVG é o principal e mais importante parceiro da instituição. “São 100 pessoas em tratamento que alimentamos, diariamente, e, também, suas famílias. Além disso, o que não pode ser aproveitado para consumo humano vira ração para porcos que, depois, são abatidos e alimentam os internos. Nada é desperdiçado e, o que gastaríamos com as frutas, verduras, legumes e ração nos ajuda na manutenção de outras necessidades da nossa instituição.”

A visão da indústria goiana

Na avaliação da diretora de Unidades Socioassistenciais da OVG, Roberta Carvalho, a inovação é a essência da iniciativa. “Transformamos desperdício em oportunidade porque contamos com uma rede que une produtores, indústria e sociedade civil. É um modelo em que todos ganham”, afirma.

Esse modelo de atuação, que articula solidariedade e desenvolvimento econômico, conecta-se também à visão da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg). Para o presidente André Rocha, o exemplo goiano revela como o setor produtivo pode impulsionar transformação social. “Na indústria, competitividade, solidariedade e eficiência caminham juntos. Já unimos o processo produtivo à causa social por meio do programa Fieg+Solidária, de forma que o engajamento seja organizado, estratégico e integrado”, afirma.

O presidente destaca que a própria Federação das Indústrias tem se engajado na articulação entre empresas, sindicatos e entidades sociais, visando fortalecer a cultura da doação e incentivando o engajamento permanente do setor produtivo. “Quando a indústria assume esse papel protagonista, ela mostra que desenvolvimento e solidariedade não são opostos, mas complementares”.

Do prato ao reconhecimento internacional

A força desse trabalho se reflete no cotidiano de famílias atendidas. A catadora de material reciclável Alzira de Souza Nascimento, de 55 anos, fala com emoção sobre a importância da chegada do Mix do Bem à sua casa, localizada em um bairro periférico de Aparecida de Goiânia. “Tenho seis netos, todos são crianças e moram comigo. Um deles exige cuidados especiais. Moramos de aluguel. Então, não sei o que seria da gente sem essa ajuda. Minha geladeira não fica mais vazia. Agora, não choro mais escondida de meus netos por não ter comida para dar a eles”.

O impacto desse produto revolucionário ultrapassa divisas e fronteiras. Em 2023, 10 mil pacotes foram enviados para as vítimas dos temporais e enchentes no Rio Grande do Sul, como ajuda humanitária. Em 2024, o Mix do Bem recebeu o Prêmio Fab City Awards, na categoria Melhor Projeto Ecossistema, prêmio internacional que destacou a iniciativa entre projetos voltados à sustentabilidade e à redução do desperdício.

Com resultados expressivos, parcerias sólidas e impacto social comprovado, o Banco de Alimentos da OVG mostra que é possível alinhar ciência, indústria e solidariedade. O avanço da segurança alimentar em Goiás evidencia que políticas públicas e iniciativas privadas podem caminhar juntas para reduzir a fome e a desigualdade. Em um Estado marcado pela força da produção agrícola e industrial, Goiás apresenta ao mundo um modelo em que nada se perde e tudo se transforma. Dos campos ao prato, da solidariedade à mesa, da produção à dignidade humana.

Fotos: Diego Canedo e Giuliane Nascimento